Côncavo e convexo

Não saberia dizer se haveria de ser por mera coincidência lingüística o lúcido e o lúdico possuírem significados que se completam e existam tanto na função quanto na forma. Isso porque os signos visuais "c" e "d" ordenam-se de modo sutil em cada uma dessas palavras, propondo-lhes interpretações distintas.

O que é lúcido ilumina nossa percepção e acende a luz no convexo figurativo. Dentro dele, a vida guarda-se inteira preservando cuidadosamente os acontecimentos e as conseqüências da ação. O lúcido amplamente expande-se em sua sólida lógica. O lúcido é o porvir do sonho, berço para a confecção das possibilidades.

O lúdico, destemido de viver o sonho, respira no côncavo o que dentro dele flutua. Possui todas as cores e é abastado de mundo. Um ventre fecundo que impermeabiliza a realidade de outras existências. O lúdico abriga o habitat do imaterial tangível e se recria. O lúdico guarda no tempo o tempo que não há.

A semi-suspensão da virtualidade

Minhas pernas aprenderam finalmente a caminhar.
Alternam-se relativamente bem, uma e outra,
no mesmo ritmo da gota repetente que pula pela torneira.

Meu corpo vai, com cuidado, delineando novos traços -
ele delimita, assim, a futura pausa.
O que penso, já penso bem.
Respeito os ruídos do que sinto.

O primeiro cardume nasceu na imensidão
de água profunda que há em mim.
Mas há apenas um buraco na areia
para onde tudo vai escoar...